Sobre souflées e assemelhados
Comece desconsiderando o título deste texto – trata-se apenas de uma provocação. Ou é souflée (pode até ser suflê) ou é outra coisa, nem considero os assemelhados. Mesmo na França, origem dessa iguaria, deparei poucas vezes com um legítimo exemplar dessa casta. É coisa fina, extremamente delicada, requer ingredientes, talento, um forno adequado e intimidade do chef com ele, para que o calor excessivo não queime, ou uma retirada precoce não o faça murchar irremediavelmente.
Outro dia, mesmo desaconselhado pelo maître (“escolha outra, essa tem pouca saída”, ponderou ele), não resisti ao apelo de um souflée de bacalhau que dormitava entre uma dezena de entradas, em um restaurante de Gramado. O maître tinha razão, minha mulher também: ela pediu um elementar siri na casca e adorou. Meu souflée, bem, até parecia um, mas de bacalhau não trazia nem o mais leve traço. Presentemente, estou a desafiar alguém que me apresente um autêntico – e acima de tudo saboroso – souflée de bacalhau.
Mas pode ser de outra coisa, desde que seja souflée. Dia desses, em um bom bufê de almoço, com excelente relação preço e qualidade, a plaqueta informava que naquela travessa estaria um souflée de espinafre. Não estava: era um reles, saboroso e consistente espinafre ao creme, parecido com o que se faz em casa, amargor impecavelmente corrigido, bem gostoso. Aí o chef – entre os mais qualificados de sua geração – vem cortesmente à minha mesa e não resisto a questioná-lo: “Isto aqui é o teu souflée de espinafre?”
Claro que o profissional disse que não, apenas falou da capacidade do forno, reconheceu a impropriedade da identificação e pronto, basta trocar a etiqueta para continuar em alta no meu conceito. Mas Porto Alegre segue nos devendo um souflée. De bacalhau, de espinafre, de queijo, mas souflée. Autêntico, macio, liso – e saboroso.
Estejam a postos, indicações serão bem-vindas.