Como tratar um vinho de 15 anos
Uma noite um colecionador reuniu 16 amigos, este colunista entre eles, em torno de sua portentosa adega. Na chegada bebia-se um clássico champagne, enquanto os cinco primeiros rótulos, postos a decantar com recomendável antecedência, eram lidos, analisados e degustados calmamente. Recordo com especial carinho de um Rosso di Nero Casanova 2006 e do Valdivieso Cavallo Loco Number Nine, este uma síntese das melhores safras com inebriantes 14,5% de gradação alcoólica.
À mesa foi vez dos franceses, especialmente escolhidos para a ocasião. O anfitrião anunciava nome e safra, os garçons serviam um cálice a cada comensal, ouviam-se manifestações de entusiasmo e em seguida outro vinho era servido. Novos elogios, algum breve discurso eno-futebolístico e mais outro vinho. Sem a preocupação de anotar dados, dediquei-me a saborear pequeninas amostras de todos eles. Após uma última troca de cálices restavam quatro degustadores à mesa.
Foi quando, esgotados os vinhos inicialmente destinados à noitada, um tinto francês de 1995 foi aberto. Sem passar pelo decanter, rolha perfeita, marcada por brandos tons de rubi. Àquela altura dos acontecimentos achei-me no dever de girar o cálice, pensando em assim oxigenar a vetusta bebida e chamar seus predicados de volta ao mundo. Estranhei que ninguém mais fazia: o anfitrião e um médico – versado no mundo dos vinhos e, dizem, detentor de uma robusta adega em sua casa – apenas analisavam rótulo, cor, arriscavam o bouquet, mantinham o cálice imóvel e um respeitoso silêncio.
Pouco depois já degustávamos e os elogios vinham unânimes, do fundo da alma. Foi quando um dos parceiros de mesa comentou: “Viu só, tem que deixar quieto que o vinho te retribui”. “É – concordou outro –, nada de ficar mexendo com ele”. Mesmo tendo girado o cálice, asseguro que bebi um ótimo vinho, imune – ou até crescendo – ao passar do tempo. Assimilei a lição, embora ainda sem entender a lógica dela. Quieto no decanter, ok, mas sem passar por ele?