Gostou ou não gostou – e ponto final
O analista desfraldava sua sensibilidade, traduzindo aromas e sabores buscados no cálice que empunhava. A prova olfativa era o maior sucesso: “Aqui eu tenho frutas vermelhas em lugar das tangerinas maduras e da alcachofra do vinho anterior”, descrevia. “Percebo as framboesas silvestres, mais um ou outro fruto do bosque, quase ouço o farfalhar das folhas das árvores próximas, há um toque forte de carvalho francês ao fundo”, deslumbrava-se o connaisseur.
Claro que essa análise é fantasia, mas algo semelhante ocorria em um programa de tevê, para diversão da equipe técnica. O pessoal não entendia como alguém poderia extrair, de um simples cálice de vinho, tantas e tão aprofundadas considerações, flagrar detalhadamente em seu nariz a presença de tais e tais aromas. “O cara é louco”, dizia um operador de câmera. “Baita mentiroso, não tem nada disso ali dentro”, assegurava um técnico de som. “Por isso é que ainda prefiro a minha cerveja, com ela não tem complicação”, decretava um terceiro.
Nunca me detive a explicar a eles o quanto havia de verdade em toda aquela mise-en-scène, ou como verdadeiramente um olfato treinado e uma imaginação fértil conseguiriam buscar espantosos aromas em um bom vinho. Mas a comparação com a cerveja, essa me fazia pensar. Não que, como bebida popular, impeça uma análise ou deixe de oferecer seu buquê, ou não traga indicativos por sua coloração, limpidez, espuma e, finalmente, pelo espetáculo que oferece ao paladar.
Não. O problema era a crítica contida na “descomplicação” de uma bebida em relação à outra. Há poucas semanas uma senhora queixava-se ao colunista porque tentava, inutilmente, identificar nos vinhos que bebia os aromas descritos por um enólogo, ministrante de um curso que fizera. “Estou quase desistindo, ameaçava, é muito complicado”.
Aí decidi entrar em campo: “A senhora gostou dos vinhos que tem degustado?”, questionei. “Sim, todos eram ótimos, meu marido tem bebido comigo em casa, nos restaurantes, mas…” Foi quando atalhei para afirmar categoricamente que isso é o que interessa – se aprovou o vinho, cuide de apreciá-lo, apenas isso. “Deixe a teoria para quem se interessa por ela, busque consumir os rótulos que lhe apetecem, sem preocupações com análises técnicas ou frustrações capazes de bulir com o prazer que os vinhos lhe podem proporcionar”, recomendei.
Creio que agi corretamente, mas se alguém discorda, o espaço está à disposição.